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Indígenas, estrangeiros e refugiados: Em meio a desafios, povo Warao é alcançado pelo Censo 2022

Originários da Venezuela, os Warao constituem a segunda etnia indígena mais populosa do país, de acordo com as estatísticas oficiais. Eles estão entre os milhões de venezuelanos que se viram forçados a deixar o país desde 2014, com o agravamento da situação de emergência humanitária. Os países vizinhos na América Latina são os mais procurados, inclusive o Brasil, que até 2021 já tinha recebido mais de 260 mil refugiados. Entrando no país pela fronteira norte, os Warao têm se deslocado de cidade em cidade em busca de melhores condições de vida, sendo Fortaleza-CE um dos destinos dessa população.

Uma vez que passaram a residir no Brasil, os Warao também se tornaram foco da pesquisa do Censo Demográfico 2022, sendo mapeados como os demais cidadãos em solo brasileiro. Porém, neste caso particular, os Warao combinam três situações bastante desafiadoras para o recenseamento: são indígenas, o que exige uma abordagem específica para sua realidade de vida; são estrangeiros, não tendo o português como seu idioma; e estão refugiados, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade social.

Para garantir que a coleta ocorra da melhor forma possível, as equipes da Unidade Estadual do IBGE no Ceará (UE/CE) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), realizaram na sexta-feira (9) uma primeira reunião com estes indígenas que estão abrigados em Fortaleza, a fim de abordar o que é o Censo e para que serve, qual a importância da participação dos Warao, quais perguntas lhes serão feitas e com que propósito, além de fazer a apresentação do recenseador que irá atuar na comunidade.

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O Censo Demográfico 2022 chega ao grupo Warao em Fortaleza-CE.

A realidade dos Warao em Fortaleza-CE

“Boa vista, Manaus, Belém…”, começa a narrar Orlando Jésus-Moreno, contando a longa peregrinação que ele e seus parentes fizeram desde Tucupita, na Venezuela, passando por várias cidades brasileiras até virem parar na capital do Ceará. Orlando tem sido como um representante da comunidade Warao abrigada em Fortaleza, já que é um dos poucos com fluência em espanhol e que compreende razoavelmente o português, lançando mão do portunhol desde que foram obrigados a se lançar nesse mundo exterior. A maioria do grupo Warao se comunica apenas no idioma indígena de mesmo nome.

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Orlando Jésus-Moreno (de branco) contou ao IBGE as dificuldades enfrentadas pela sua comunidade.

Após terem chegado a Fortaleza, passaram a residir por um ano e oito meses no bairro da Parangaba, estando atualmente instalados de forma improvisada em três casas no centro da capital. Os espaços são divididos por 26 famílias, num total de 116 pessoas, incluindo adultos e também muitos bebês e crianças. Orlando relata que eles chegaram a solicitar um abrigo, mas o máximo que conseguiram obter foi o aluguel social, que cobre apenas parte do valor pago mensalmente pelas casas que ocupam.

Em uma das casas visitadas pela equipe do IBGE, onde foi realizada a reunião com os Warao, a situação observada é precária. A casa é velha e insalubre, pequena para a quantidade de gente que abriga. São apenas dois banheiros para algumas dezenas de pessoas. Os poucos móveis e eletrodomésticos que possuem, como geladeira e fogão, são fruto de doações. A água falta com frequência, e há uma carência muito grande de alimentos.

E é o sustento da comunidade o que tem sido o maior desafio para os Warao. “O nosso trabalho tem sido ir para as ruas, coletar dinheiro nos sinais. Nós já tentamos outros trabalhos, mas não conseguimos. Estamos tentando e temos consciência, que é paras nossas esposas e nossas crianças não ficarem na rua. Mas a gente não conseguiu nada até agora”, confessa Orlando. Na visão dos Warao, a coleta de dinheiro nas ruas seria como uma “caçada”, uma adaptação ao ambiente urbano das atividades que realizavam em seus territórios para garantir a subsistência.

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São muitas mulheres e crianças Warao vivendo em condições precárias, obtendo sustento da coleta de dinheiro pelos semáforos da cidade.

Apesar de tudo o que têm vivido, Orlando ainda consegue vislumbrar vantagem diante da situação que passavam no seu país de origem: “No Brasil é um pouco mais diferente da Venezuela, pois a situação no nosso país é muito difícil. Aqui as pessoas têm nos tratado bem e têm nos apoiado como podem.” Ele explica que no Brasil ao menos têm conseguido atendimento emergencial e medicamentos básicos quando estão doentes. Mas estes Warao ainda estão bem longe de viver uma situação ideal.

O processo de deslocamento dos Warao dentro da Venezuela já vem de décadas, e tem causas diversas, entre degradação ambiental, exploração econômica, má gestão governamental, perseguição por invasores, epidemia, hiperinflação e fome. O deslocamento recente dos Warao para o exterior é fruto da atual crise econômica, política e humanitária que aflige o país, que tem se agravado desde 2016, e o Brasil é um dos países que mais tem abrigado os venezuelanos. Segundo dados de 2022 do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, a situação na Venezuela provocou o maior fluxo migratório do mundo, com 6,8 milhões de refugiados, contingente equivalente somente ao gerado pela guerra da Ucrânia.

Os desafios do recenseamento dos Warao

Durante a conversa com os Warao, o antropólogo e Analista Censitário de Povos e Comunidades Tradicionais, Fábio Jota, apresentou ao grupo ali reunido cada uma das perguntas do questionário do Censo, falando sempre em espanhol. Ele deu ênfase especial às questões sobre cor ou raça, etnia, língua e religião, nas quais orientou o grupo sobre a importância de se autodeclararem adequadamente, informando ao IBGE que são indígenas da etnia Warao e quais a suas características e práticas, para que sua presença em Fortaleza seja devidamente registrada.

Além do questionário domiciliar, também será aplicado com este agrupamento Warao o questionário de abordagem às lideranças indígenas, o qual traz perguntas bem específicas, como: infraestrutura da comunidade, acesso a recursos naturais, hábitos e práticas, etc. Fábio destaca que é muito delicada a situação de compreensão do questionário, já que a percepção de mundo dos Warao é diferente. “Por questões tanto linguísticas quanto culturais, muitas das categorias que o Censo usa são difíceis para eles apreenderem. Isso se soma com a questão de vulnerabilidade deles. Então é necessário um cuidado intercultural, e esse trabalho está sendo feito em parceria muito forte com a Funai”, relata o antropólogo.

Os intérpretes são peças-chave nessas situações, pois, além de traduzirem o conteúdo para o idioma usual da comunidade, também conseguem lhes transmitir melhor o significado dos conceitos. Em contrapartida, eles também podem captar e fornecer aos profissionais do IBGE as principais questões levantadas. Assim, é possível buscar uma conciliação entre as situações complexas da realidade e as possibilidades oferecidas pelos questionários.

Luciano Cordeiro, do povo Warao, tem sido como um desses mediadores. Por dominar o espanhol e conhecer um pouco de português, ele se colocou à disposição para ajudar a sua comunidade a responder ao questionário do Censo. Ainda durante a reunião, Luciano traduziu para o Warao tudo o que as equipes do IBGE e da Funai estavam explicando em espanhol. Assim, o grupo pôde apreender com maior exatidão o que ali estava sendo discutido.

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Luciano Cordeiro (à esquerda) traduz para a língua Warao a mensagem levada pelo IBGE.

“O recenseamento dos Warao aqui em Fortaleza é muito delicado, porque eles são uma população indígena que está em situação de vulnerabilidade, estão desterritorializados, foram expulsos do seu território e perderam todos os vínculos que tinham”, destaca Diego Andrade, recenseador escolhido para trabalhar junto ao grupo, com o qual se comunica em espanhol. Tendo desenvolvido trabalhos anteriores em territórios indígenas ao longo dos seus estudos de graduação em Turismo e em Gestão Ambiental, Diego afirma que já possuía interesse no recenseamento de comunidades tradicionais. Sua experiência prévia lhe confere o conhecimento e a sensibilidade necessários para ser o recenseador ideal em uma situação tão especial como a dos Warao.

Diego destaca a responsabilidade envolvida na relação do recenseador com o informante, sobretudo neste caso específico. O Censo é a única pesquisa que alcança a nação em sua totalidade, e a presença do recenseador, como representante do IBGE, leva consigo a ideia de que o estado está prestando atenção à população. “Trazer essas questões para os Warao, querendo ou não, acaba criando uma expectativa, de estarem sendo vistos pelas autoridades do Brasil, de que possam trazer políticas públicas para a comunidade, de que possam também ter direitos como qualquer outro indígena, segundo as normativas e legislações que o Brasil tem”, destaca o recenseador.

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O antropólogo Fábio Jota e o recenseador Diego Andrade representando o IBGE junto à comunidade Warao.

O apoio da Funai na abordagem aos Warao

“Com estas informações do IBGE poderemos lutar por políticas públicas específicas, para que todas as pessoas do Brasil saibam que vocês estão aqui, que são indígenas, que sejam respeitados como indígenas e consigam as demandas que precisam”, comunicou, em espanhol, a indigenista da Funai Renata Catarina Costa Maia aos Warao reunidos para ouvir sobre o Censo.

A Funai é o órgão que realiza a política indigenista oficialmente no estado brasileiro, e tem sido uma das instituições que tem prestado importante apoio ao IBGE, tanto na idealização e planejamento do Censo 2022, como agora na fase da coleta. No Ceará, a Funai atua por meio da Coordenação Regional Nordeste II, que contempla também os estados do Piauí e Rio Grande do Norte.

O recenseamento dos Warao é mais um desses desafios em que o IBGE tem recebido suporte. Estes indígenas são atendidos pela Funai no Ceará desde maio de 2019, quando começaram a chegar nos municípios de Fortaleza e Caucaia. Renata tem sido a ponte entre os Warao e as instituições, a partir da relação de confiança que construiu com o grupo. “O papel da Funai tem sido de articulação com as outras políticas públicas, na perspectiva de que os Warao sejam atendidos e que tenham suas especificidades étnicas respeitadas, considerando que eles são indígenas, em primeiro lugar, e que estão também na condição de refugiados imigrantes no Brasil”, defende a indigenista.

Renata Carina, indigenista da Funai, comprometida a garantir a participação dos Warao no Censo 2022.

O Censo Demográfico é uma dessas políticas públicas que precisam levar em consideração a identidade e situação dos Warao. Da elaboração à aplicação do questionário, por toda a operação censitária as realidades mais diversas têm que ser pensadas e incluídas. “Por exemplo, muitos Warao questionaram sobre o que responder diante daquelas indagações sobre os rios, os lagos e as possibilidades de pesca na comunidade, pois, há pouquíssimo tempo, tinham acesso a tudo isso. Hoje não têm mais. Então, há uma memória em conflito” cita Renata, expondo uma das muitas situações desafiadoras para o recenseamento.

“Que as equipes do IBGE e da Funai em todo o Brasil tenham o tempo e a escuta necessárias para que essas informações sejam – pelo menos em alguma medida – apreciadas, divulgadas e utilizadas na luta por direitos”, completa a indigenista, comprometida a garantir que o recenseamento dos Warao seja realizado da melhor forma possível.


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Escrito por tvprincesavalenews

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